sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Luis Costa: Lembranças da África do Sul

Dando continuidade a uma longa conversa com Luis Costahouve dois temas fortes inerentes à sua trajectória ascendente no paracliclismo internacional: a conquista de uma medalha numa das provas do Campeonato do Mundo, em 2017 e na África do Sul, e outra batalha que ele e outros atletas paralímpicos travam fora das suas realidades desportivas e que pretendem ver ganha: a do igual reconhecimento e apoio face aos seus pares olímpicos.

Começando pela primeira vertente, dá que pensar que se trata do evoluir de um bichinho que apenas acordou em 2013 quando Costa enfrentou, pela primeira vez, o seu ídolo de então, um tal de Alessandro Zanardi, ex-piloto de automobilismo que perdeu ambas as pernas num acidente, de onde, milagrosamente, saiu com vida e com uma enorme vontade de dar a volta de 180 º à sua aparentemente destroçada vida. É com o agora paraciclista italiano que tem uma história curiosa, uma de muitas destes seus quatro anos na modalidade.
“É um pequeno grande momento, bem recente, e que ainda só contei a algumas pessoas. Todos sabem que me inspirei no grande Alex Zanardi para começar a competir no paraciclismo, passando a lutar contra ele desde 2013, desde a minha primeira prova internacional. Mas só lho disse pessoalmente no final do Contra-Relógio dos Mundiais da África do Sul, quando estava a descontrair nos rolos e a sonhar de olhos abertos por ter alcançado aquela medalha de bronze. O Alex foi ter comigo e felicitou-me pelo 3º lugar e pela minha magnífica progressão. Disse-lhe ter sido ele a minha inspiração algo que, sempre muito humilde, agradeceu para depois me perguntar em tom divertido: ‘Deixa-me adivinhar… e agora que estás entre os melhores o teu objetivo é dares-me um pontapé no rabo, não é?’, ao que lhe respondi ‘Naturalmente Alex, tal como todos os outros aqui presentes’. Ele deu uma gargalhada e disse-me para eu não lhe levar a mal, mas que preferia que isso ficasse para outra prova e não naquele fim de semana! Um momento que jamais esquecerei, história que mais tarde vou gostar de contar aos meus netos.”

Ao mesmo tempo Luis Costa recordou a dupla sensação de ter terminado o Contra-Relógio com a conquista de uma medalha e depois, a Prova de Fundo, a milímetros de idêntico resultado, para mais quando os resultados mostram que, nesta última, terminou o trajecto com o mesmo tempo do vencedor.
“Foram duas situações de sentimentos opostos. No final do Contra-Relógio tive que esperar uns bons 15 a 20 minutos até ter a certeza que a medalha de bronze era minha e só então ‘explodi’! Saltei para o colo do Telmo Pinão [nota: o segundo atleta luso da comitiva que viajou para a África do Sul] e comecei a gritar de alegria. Já ganhei muitas medalhas de ouro, prata e bronze, mas nenhuma delas tem o valor de uma num Campeonato do Mundo.”
Quanto ao 4º lugar na Prova de Fundo “esse teve um sabor a frustração. Sentia-me muito forte, fui quem que mais trabalhou durante a prova, respondendo a todos os ataques, anulando uma fuga, estando maior parte do tempo na frente a impor o ritmo que fez com ficássemos só quatro atletas na disputa do sprint final… mas esqueci-me de me poupar um pouco nos últimos quilómetros para poder lutar pelo pódio e, com isso paguei por esse erro. Perder essa medalha de bronze por meia roda depois de tanto esforço, foi duro de engolir. Mas faz parte e aprendi mais uma lição.”


Ensinamentos que o nosso medalhado irá aproveitar nos próximos eventos, agora que o seu calendário desportivo está praticamente definido: “2018 e 2019 são os anos em que decorrem as qualificações para Tóquio, sendo que o objetivo passa por conquistar pontos suficientes para garantir a primeira vaga para Portugal. Como já o disse, irei tentar fazê-lo participando em todas as Taças do Mundo, no Campeonato do Mundo e mais algumas provas internacionais que façam parte do calendário oficial da UCI, com o objectivo de subir aos pódios dessas provas, especialmente no Mundial, onde acredito poder fazer de novo história para o paraciclismo português”.
“Quanto a 2019 os objetivos serão idênticos, mesmo que no final de 2018 já tenhamos uma vaga assegurada para Portugal para Tóquio 2020, pois os pontos dos dois anos acumulam e eu quero contribuir para que tenhamos pelo menos 2 vagas, semelhante ao que alcançámos no Rio de Janeiro, em 2016. Isto porque nada me garante que se só tivermos uma vaga, seja eu a ocupá-la, sendo esta uma decisão do Selecionador Nacional. Por isso, quantas mais vagas, melhor.”

“Os paralímpicos não são atletas de segunda”
Objectivos que partilha, interiormente, com outras duas lutas, uma pela igualdade de tratamento na imprensa e outra junto das entidades governamentais: “É um desejo que tenho há muito de, por um lado, podermos contar com a cobertura da imprensa nacional, nomeadamente a desportiva, que hoje ainda pouco ou nada liga ao paraciclismo, algo que até senti em particular depois da conquista da medalha de bronze nos Mundiais da África do Sul.”

“Infelizmente não posso mudar o que seria mais importante: a mentalidade futebolística deste país, mas se tivesse poder para tal, obrigava todos os jornais desportivos a publicar, em cada edição, pelo menos uma página sobre desporto adaptado. Acredito que isso mudaria muita coisa mesmo! É que as pessoas e as empresas não se podem interessar por algo que não conhecem…”
Outra luta de que Luis Costa não tem desistido é a de se alcançar a igualdade de verbas olímpicas, face aos atletas sem limitações físicas: “Incompreensivelmente os apoios continuam a ser diferentes para os atletas do projecto olímpico e os atletas do paralímpico, isto apesar das promessas deixadas após os Jogos do Rio, em 2016, em que se anunciou pretender-se acabar com essa discriminação, aproximando-nos de outros países como Espanha, adoptando-se um gradual equilíbrio das verbas atribuídas”.
“Só que apesar da aprovação pelo Governo da equivalência dos denominados ‘Prémios de Mérito Desportivo’ [nota: valor que é pago a atletas que obtêm medalhas em provas de Campeonatos da Europa, Mundiais e Jogos Olímpicos/Paralímpicos], indicando o que parecia ser um bom caminho para a uma equivalência das Bolsas de Preparação dos atletas integrados nos programas paralímpicos às dos atletas olímpicos, foi recentemente chumbada uma proposta de alteração de lei que iria permitir adoptar-se um processo progressivo que, tudo indicava, ficaria equilibrado após os Jogos de Tóquio.”
Apresentada pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, a proposta previa que em 2021 os montantes ficassem, finalmente, equiparados, após uma sequência de três anos de aumentos faseados, terminando com a diferença nos valores das bolsas praticados até à data. Votada a favor pelo BE, CDS-PP e PCP, a proposta não passaria por um lado devido à abstenção do PSD mas, principalmente, pelos votos contra do PS, partido que, inicialmente, até deixou promessas de mudanças na lei. Ou seja, “infelizmente a discriminação continuou, sendo ainda mais preocupante porque se segue às promessas feitas pelo partido que agora ignorou as pretensões dos atletas paralímpicos quando chegou a hora de alterar a lei”.
Note-se que, à data, a bolsa dos atletas paralímpicos corresponde sensivelmente a um terço do valor recebido pelos desportistas olímpicos: por exemplo, um atleta olímpico de Nível 1 recebe 1.375 euros, mas o equivalente paralímpico recebe 518 euros (ver quadro). No que se refere ao Plano de Preparação, o valor atribuído aos atletas olímpicos – neste momento num total de 49 nomes – ronda os € 30.000 anuais, verba que nos paralímpicos é de apenas € 8.750, a dividir por 38 atletas com algum tipo de deficiência, estando 20 deles em modalidades de atletismo adaptado.
Números que parecem indicar que um atleta sem qualquer deficiência física gasta mais na sua preparação do que um paralímpico! “Não será antes ao contrário?”, questiona o nosso entrevistado. “A título de exemplo, saberão quanto já gastei na minha handbike, que uso para representar este país e que foi paga por muitos dos que vão ler este texto? Vários largos milhares de euros…”

#PortugalComOsParalimpicos
Em face do descontentamento e burburinho criado no meio, entretanto parecem ter havido novos desenvolvimentos, “fruto de novas negociações entre o Governo e o Comité Paralímpico de Portugal, antevendo-se que sempre possa vir a existir alguma progressão nos valores de ano para ano até 2021, mas só o saberemos ao certo quando o contrato-programa para ‘Tóquio 2020’ for assinado, daqui por uns dias.

Enquanto tal não acontece, alerto para a causa que foi criada – através da hashtag dedicada #PortugalComOsParalimpicos – que sublinha a motivação e convicção na igualdade de oportunidades para ambos os atletas, através da qual se convidam os Portugueses a juntarem-se-lhe, de modo a acabar de vez com esta discriminação.
Curiosamente, olhando para os resultados de uns e outros a coisa até se apresenta numa estrutura completamente inversa, dado que nos últimos Jogos Paralímpicos do Rio, em 2016 os paralímpicos – vistos por muitos como atletas alegadamente diminuídos – subiram ao pódio por 4 vezes, quando os olímpicos conseguiram uma única medalha. Uma estatística que, somada à das restantes olimpíadas do presente milénio, se mostra ainda mais significativa: os atletas paralímpicos conquistaram 36 medalhas no conjunto dos últimos cinco Jogos, face às apenas 8 dos olímpicos, sendo que também o ouro está mais presente no pescoço dos aqui inconformados atletas, numa escala de 9 contra 1. Elucidativo!

Mas nada disto vai influenciar o foco principal do nosso atleta plurimedalhado nos objetivos que o atleta, paraciclista do Sporting/Tavira Paracycling, traçou para os próximos anos e que define como “Simples! Quero conquistar um lugar nos Jogos Paralímpicos Tóquio 2020, alcançando pelo caminho os melhores resultados possíveis, que dignifiquem o meu clube e o país que represento, ao mesmo tempo que retribuo o apoio de todos os que têm estado ao meu lado”.
Objectivos e prestações que Luis Costa e muitos outros, no domínio das rodas ou fora delas, pretendem atingir de modo a contribuir para o orgulhoso hastear da bandeira lusa ou para a contínua projecção do nome Portugal mais além. Veremos se, no novo ano e nos vindouros quem de direito lhes dará o devido crédito. São estes os votos do Trendy Wheels para o novo ano! 
Feliz 2018 para tod@s... e uma nova tattoo para Luis Costa em 2020!
Imagens: Luis Costa - Paraciclista

Cumprimentos distribuídos irmãmente e até breve!
José Pinheiro
Notas:
1) As opiniões acima expressas são minhas, decorrentes da experiência no sector e de pesquisa de várias fontes;
2) Direitos reservados das entidades respectivas aos ‘links’ e/ou imagens utilizados neste texto, conforme expresso.

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