sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Paraciclismo I: Luis Costa na elite mundial

O paraciclismo nacional está, uma vez mais, de parabéns! Modalidade que, entre nós, tem crescido em importância e em (alguns) novos representantes, apesar dos diminutos apoios que lhe são dados e à ainda ínfima cobertura que merece das televisões e da imprensa (dita) especializada em acontecimentos desportivos, há um nome que se destaca entre os demais: Luis Costa.

Temática que já aqui abordei no Trendy Wheels algumas vezes, de modo a dar um empurrãozinho à modalidade em termos de visibilidade, bem como ao próprio e às suas pretensões de se tornar Campeão do Mundo, Campeão Paralímpico… ou ambos! Coisa pouca, se pensarmos nos obstáculos bem maiores que, há anos, teve de ultrapassar no domínio pessoal, depois de um acontecimento que – no dia do seu 30º aniversário – o obrigou a repensar toda a sua vida. Mas como desistir não faz parte do seu modo de vida, dedicou-se de corpo e alma ao paraciclismo, definindo como um dos objectivos elevar cada vez mais alto a nossa bandeira nos mastros dos quatro cantos do mundo, expresso nos resultados obtidos além-fronteiras.
“Que nunca por vencidos se conheçam” é um dos lemas de vida deste atleta que, agora com 44 anos, está aí para as curvas e para as rectas, sempre à força de braços com a sua “menina”, numa dedicação sem igual a uma modalidade que já lhe ofereceu enormes alegrias, sempre vistas como mais significativas do que os desaires. A mais recente foi uma medalha de bronze nos Mundiais da África do Sul, em Setembro último, orgulhosamente ocupando um lugar seu por direito no pódio de uma das provas, na companhia de dois dos seus maiores ídolos – o holandês Tim de Vries, vencedor da maioria das provas, e Alex Zanardi, ex-piloto de monolugares (Fórmula 1, Indy, etc) – e também adversários ao longo da presente época.

Voltando ao nosso entrevistado, finda a azáfama de nove longos meses, Luis Costa está presentemente menos activo em termos de presença em provas oficiais, mantendo-se em modo de descompressão de uma época muito exigente mas também saborosa. Foi neste intervalo, entre uma sessão de treinos e as exigências da sua desgastante profissão, que deu uma longa entrevista ao Trendy Wheels.
Tão longa que a tenho de dividir por várias edições, começando, assim pelo balanço de 2017, época que o atleta luso considera ter sido “um grande ano. Estive nos lugares cimeiros em todas as competições internacionais em que participei, batendo-me com os melhores do mundo nas provas de categoria C1 da UCI, depois nos eventos da Taça do Mundo e, por último, no Campeonato do Mundo da África do Sul, em Pietermaritzburg,” resumiu-nos.
Ele que também acumula um palmarés invejável no paraciclismo nacional, colecionando muitas vitórias na sua categoria (H5/Handbikes) e os correspondentes títulos. Um conjunto de resultados “que valorizo igualmente, apesar de continuar a ser o único atleta da minha classe. Encho-me de orgulho pelo facto de, com eles, poder continuar a dinamizar a modalidade em Portugal.”

Quatro pratas a abrir a temporada
À semelhança dos anos anteriores, 2017 voltou a obrigá-lo a um exigente plano de treinos, cuidadosamente elaborado pelo Professor Gabriel Mendes, técnico da Federação Portuguesa de Ciclismo, e contando com os préstimos do seu treinador José Marques: “Diria que o José é o orientador no terreno e o Gabriel é o génio matemático que desenvolve as ‘fórmulas’ que dão origem a campeões”, refere. 

Tudo começou em Abril com uma tripla deslocação a Itália, para duas Taças da Classe 1 e uma mais valiosa Taça do Mundo. No Contra-Relógio da Verola Paracycling Cup houve “num misto de emoções: por um lado fiquei feliz pelo 2º lugar, a escassos 3 segundos do Tim de Vries, por outro com um sabor amargo pela diferença final”. Já a Prova de Fundo pregou-lhe um susto quando “sensivelmente a meio, a pulsação disparou de um ritmo ‘normal’ (em esforço) de 160 batidas por minuto para as 196 bpm, com uma ligeira dor no abdómen. Tendo em conta que o meu tecto máximo é de 173 bpm e mesmo para lá chegar preciso fazer um esforço extremo, prossegui em prova, em agonia mas sem desistir, alcançando nova prata, mas já a 3m29s do vencedor, uma eternidade em relação às expectativas, nomeadamente após a prestação da véspera.”
 “Uma semana depois corri a Brixia Paracycling Cup. Já recuperado, lancei-me estrada fora no Contra-Relógio, obtendo o 2º tempo da minha classe (e também da geral das handbikes) a apenas 35 segundos do Tim, resultado que me deixou muito motivado, significando uma grande evolução da minha parte em relação às épocas anteriores, onde perderia normalmente 1m30s ou mais neste tipo de exercício”. Depois, na Prova em Linha, veio a 4ª medalha de prata do ano, uma jornada“sem ataques frenéticos ou alterações cardíacas anormais. Fui 2º, a 20 segundos do Tim, com um ritmo elevado (média final acima de 35 km/h), controlando os meus restantes adversários, em especial o francês Loïc Vergnaud que deixei a 4 minutos! Foram duas prestações que me deixaram com óptimas expectativas para o que viria a seguir”.
Em meados de Maio viu-se, de novo, por terras italianas, em Maniago, para a primeira prova da Taça do Mundo, prova que o nosso entrevistado resume como “24,3 km de sofrimento, a dar tudo por tudo à procura de um lugar no top-5, algo muito difícil quando se defronta os melhores do mundo”, acrescentando, logo depois, uma nota de que “se fosse fácil não servia para mim”!
Contando com uma grande ajuda no capítulo técnico da Joker 8, roda que a PROTOTYPE Racing Parts, uma das entidades que o apoia, lhe cedeu no ano passado, Luis Costa alcançou esse objectivo… em dobro! Primeiro no Contra-Relógio, “prova que fiz com o coração na boca e a levar com os berros do Seleccionador Nacional que me seguia na viatura, e que me conseguiu ‘ressuscitar’ para terminar forte, apesar do 4º lugar ter fugido por poucos segundos”. Mas também acabou logo à frente do 6º e 7º, Alfredo de los Santos e Oscar Sanchez (dois paraciclistas do Team USA), o último dos quais foi medalha de bronze nos Jogos Paralímpicos de 2016, no Rio. “Acho que isso diz tudo do nível a que se andou nessa prova. E fazer 24 km com média final de 38 km/h, a ‘pedalar’ com os bracinhos… experimentem!” Na prova em linha, a chegada foi feita ao sprint, com novo 5º lugar e o mesmo tempo do vencedor, jornada em que na fase final “perdi uns metros preciosos que já não consegui recuperar. Faz parte. Sempre a aprender.”


Taças por lá e por cá…
Mas seria na Taça do Mundo de Ostende (Bélgica) que se deparou com o primeiro revés do ano: “Um dia teria que acontecer e foi nessa prova que tive uma avaria mecânica - um dos cabos elétricos do sistema quebrou - logo ao primeiro km do contra-relógio me fez ficar sem mudanças. Fiz os restantes 14 km com a mudança que ficou engrenada, obrigando-me a ‘pedalar’ a grande rotação, lutando contra o vento, sem que pudesse usar os carretos mais leves. Desgastou-me até ao limite das minhas forças e Fiquei de rastos física e psicologicamente, mas estes azares fazem parte da competição”, numa prova onde foi, de novo, o 5º melhor.

Com o contributo de mecânicos tugas improvisados e da equipa francesa Cofidis, que lhe dispensou um cabo eléctrico novo, o problema ficou resolvido e na prova em linha lutou até ao fim pela vitória, “em nova chegada ao sprint onde fui 3º, com o mesmo tempo do vencedor. Fiquei super feliz com essa medalha de bronze, a minha 5ª em Taças do Mundo [nota: obteve 4 de prata em 2016], pois foi conseguida defrontando quase todos os melhores do mundo”, só aqui faltando à chamada o seu ídolo Zanardi. “Percebemos como foi dura a batalha quando comemoramos uma medalha de bronze como se fosse a de ouro,” acrescentou.


Dias depois estava já em Portugal para disputar o 20º Prémio de Viana do Castelo, a sua primeira prova da época em território nacional. Venci a classe e fiquei satisfeito pelo 2º lugar da geral, numa chegada feita ao sprint com o vencedor, Johnny Marques, da classe D (surdos). Fizemos juntos a quase totalidade da corrida, isolados desde as primeiras voltas, mas as pernas dele foram mais fortes do que os meus braços”.
Seguiu-se a primeira prova da Taça de Portugal em Águeda, em meados de Junho, importante teste antes da ida até à Holanda para o evento final da Taça do Mundo. Numa altura em que Portugal ardia e provocou a tragédia conhecida de todos e que, infelizmente, ficará na história, “a corrida fez-se sob um calor intenso e com um céu encoberto pelo fumo dos incêndios, num percurso rápido mas pouco adequado às handbikes”. A tarde começou com um furo ainda antes das coisas aquecerem, para depois saltar a corrente em 18 das 20 voltas ao percurso, sendo salvo pelo “bendito sistema eléctrico que permite recuperar a corrente facilmente.”


Ficou, assim, concluída a primeira parte de um ano que viria a ter um desfecho impressionante, com todos os condimentos de um episódio de suspense, com sangue suor e (algumas) lágrimas. Aventuras já a desvendar já na próxima edição.
Imagens: Luis Costa, UCI/Andrew McFaden, Fotogliso, Planeta Ciclismo, Vito Cartafalsa, Loredana Colombari, Paratee-Psylos/Setefan Nies, GP ABimota; Quadros: UCI


Cumprimentos distribuídos irmãmente e até breve!
José Pinheiro
Notas:
1) As opiniões acima expressas são minhas, decorrentes da experiência no sector e de pesquisa de várias fontes;
2) Direitos reservados das entidades respectivas aos ‘links’ e/ou imagens utilizados neste texto, conforme expresso.

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