Dando
continuidade a uma longa conversa com Luis Costa, houve dois temas fortes inerentes à sua trajectória ascendente no
paracliclismo internacional: a conquista de uma medalha numa das provas do
Campeonato do Mundo, em 2017 e na África do Sul, e outra batalha que ele e
outros atletas paralímpicos travam fora das suas realidades desportivas e que pretendem
ver ganha: a do igual reconhecimento e apoio face aos seus pares olímpicos.
Começando
pela primeira vertente, dá que pensar que se trata do evoluir de um bichinho que apenas acordou em 2013
quando Costa enfrentou, pela primeira vez, o seu ídolo de então, um tal de Alessandro Zanardi, ex-piloto de automobilismo que
perdeu ambas as pernas num acidente, de onde, milagrosamente, saiu com vida e
com uma enorme vontade de dar a volta de 180 º à sua aparentemente destroçada
vida. É com o agora paraciclista italiano que tem uma história curiosa, uma de
muitas destes seus quatro anos na modalidade.
“É um pequeno grande momento, bem recente, e que ainda só
contei a algumas pessoas. Todos sabem que me inspirei no grande Alex Zanardi para
começar a competir no paraciclismo, passando a lutar contra ele desde 2013,
desde a minha primeira prova internacional. Mas só lho disse pessoalmente no
final do Contra-Relógio dos Mundiais da África do Sul, quando estava a
descontrair nos rolos e a sonhar de olhos abertos por ter alcançado aquela medalha
de bronze. O Alex foi ter comigo e felicitou-me pelo 3º lugar e pela minha magnífica
progressão. Disse-lhe ter sido ele a minha inspiração algo que, sempre muito
humilde, agradeceu para depois me perguntar em tom divertido: ‘Deixa-me
adivinhar… e agora que estás entre os melhores o teu objetivo é dares-me um
pontapé no rabo, não é?’, ao que lhe respondi ‘Naturalmente Alex, tal como
todos os outros aqui presentes’. Ele deu uma gargalhada e disse-me para eu não
lhe levar a mal, mas que preferia que isso ficasse para outra prova e não
naquele fim de semana! Um momento que jamais esquecerei, história que mais tarde
vou gostar de contar aos meus netos.”
Ao
mesmo tempo Luis Costa recordou a dupla sensação de ter terminado o
Contra-Relógio com a conquista de uma medalha e depois, a Prova de Fundo, a
milímetros de idêntico resultado, para mais quando os resultados mostram que,
nesta última, terminou o trajecto com o mesmo tempo do vencedor.
“Foram duas
situações de sentimentos opostos. No final do Contra-Relógio tive que esperar
uns bons 15 a 20 minutos até ter a certeza que a medalha de bronze era minha e só
então ‘explodi’! Saltei para o colo do Telmo Pinão [nota: o segundo
atleta luso da comitiva que viajou para a África do Sul] e comecei a gritar de alegria. Já ganhei muitas medalhas de ouro, prata
e bronze, mas nenhuma delas tem o valor de uma num Campeonato do Mundo.”
Quanto
ao 4º lugar na Prova de Fundo “esse teve
um sabor a frustração. Sentia-me muito forte, fui quem que mais trabalhou
durante a prova, respondendo a todos os ataques, anulando uma fuga, estando
maior parte do tempo na frente a impor o ritmo que fez com ficássemos só quatro
atletas na disputa do sprint final… mas esqueci-me de me poupar um pouco nos
últimos quilómetros para poder lutar pelo pódio e, com isso paguei por esse
erro. Perder essa medalha de bronze por meia roda depois de tanto esforço, foi
duro de engolir. Mas faz parte e aprendi mais uma lição.”
Ensinamentos
que o nosso medalhado irá aproveitar nos próximos eventos, agora que o seu calendário
desportivo está praticamente definido: “2018 e 2019 são os anos em que decorrem as qualificações
para Tóquio, sendo que o objetivo passa por conquistar pontos suficientes para
garantir a primeira vaga para Portugal. Como já o disse, irei tentar fazê-lo
participando em todas as Taças do Mundo, no Campeonato do Mundo e mais algumas provas
internacionais que façam parte do calendário oficial da UCI, com o objectivo de
subir aos pódios dessas provas, especialmente no Mundial, onde acredito poder fazer
de novo história para o paraciclismo português”.
“Quanto
a 2019 os objetivos serão idênticos, mesmo que no final de 2018 já tenhamos uma
vaga assegurada para Portugal para Tóquio 2020, pois os pontos dos dois anos acumulam
e eu quero contribuir para que tenhamos pelo menos 2 vagas, semelhante ao que
alcançámos no Rio de Janeiro, em 2016. Isto porque nada me garante que se só
tivermos uma vaga, seja eu a ocupá-la, sendo esta uma decisão do Selecionador
Nacional. Por isso, quantas mais vagas, melhor.”
“Os paralímpicos não
são atletas de segunda”
Objectivos
que partilha, interiormente, com outras duas lutas, uma pela igualdade de
tratamento na imprensa e outra junto das entidades governamentais: “É um desejo que tenho há muito de, por um lado,
podermos contar com a cobertura da
imprensa nacional, nomeadamente a desportiva, que hoje ainda pouco ou nada liga
ao paraciclismo, algo que até senti em particular depois da conquista da medalha
de bronze nos Mundiais da África do Sul.”
“Infelizmente não posso mudar
o que seria mais importante: a mentalidade futebolística deste país, mas se
tivesse poder para tal, obrigava todos os jornais desportivos a publicar, em
cada edição, pelo menos uma página sobre desporto adaptado. Acredito que isso
mudaria muita coisa mesmo! É que as pessoas e as empresas não se podem
interessar por algo que não conhecem…”
Outra luta de que Luis Costa não tem desistido é a de se alcançar a
igualdade de verbas olímpicas, face aos atletas sem limitações físicas: “Incompreensivelmente os apoios continuam a
ser diferentes para os atletas do projecto olímpico e os atletas do paralímpico,
isto apesar das promessas deixadas após os Jogos do Rio, em 2016, em que se
anunciou pretender-se acabar com essa discriminação, aproximando-nos de outros
países como Espanha, adoptando-se um gradual equilíbrio das verbas atribuídas”.
“Só que apesar da aprovação
pelo Governo da equivalência dos denominados ‘Prémios de Mérito Desportivo’ [nota: valor que é pago a
atletas que obtêm medalhas em provas de Campeonatos da Europa, Mundiais e Jogos
Olímpicos/Paralímpicos], indicando o que
parecia ser um bom caminho para a uma equivalência das Bolsas de Preparação dos
atletas integrados nos programas paralímpicos às dos atletas olímpicos, foi recentemente
chumbada uma proposta de alteração de lei que iria permitir adoptar-se um
processo progressivo que, tudo indicava, ficaria equilibrado após os Jogos de
Tóquio.”
Apresentada pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, a proposta
previa que em 2021 os montantes ficassem, finalmente, equiparados, após uma
sequência de três anos de aumentos faseados, terminando com a diferença nos
valores das bolsas praticados até à data. Votada a favor pelo BE, CDS-PP e PCP,
a proposta não passaria por um lado devido à abstenção do PSD mas, principalmente,
pelos votos contra do PS, partido que, inicialmente, até deixou promessas de mudanças
na lei. Ou seja, “infelizmente a discriminação
continuou, sendo ainda mais preocupante porque se segue às promessas feitas
pelo partido que agora ignorou as pretensões dos atletas paralímpicos quando
chegou a hora de alterar a lei”.
Note-se que, à data, a bolsa dos atletas paralímpicos corresponde
sensivelmente a um terço do valor recebido pelos desportistas olímpicos: por
exemplo, um atleta olímpico de Nível 1 recebe 1.375 euros, mas o equivalente
paralímpico recebe 518 euros (ver quadro). No que se refere ao Plano de Preparação,
o valor atribuído aos atletas olímpicos – neste momento num total de 49 nomes –
ronda os € 30.000 anuais, verba que nos paralímpicos é de apenas € 8.750, a dividir
por 38 atletas com algum tipo de deficiência, estando 20 deles em modalidades
de atletismo adaptado.
Números que parecem indicar que um atleta sem qualquer deficiência
física gasta mais na sua preparação do que um paralímpico! “Não será antes ao contrário?”, questiona o nosso entrevistado. “A título de exemplo, saberão quanto já
gastei na minha handbike, que uso para representar este país e que foi paga por
muitos dos que vão ler este texto? Vários largos milhares de euros…”
#PortugalComOsParalimpicos
Em face do descontentamento e burburinho criado no meio, entretanto
parecem ter havido novos desenvolvimentos, “fruto
de novas negociações entre o Governo e o Comité Paralímpico de Portugal,
antevendo-se que sempre possa vir a existir alguma progressão nos valores de
ano para ano até 2021, mas só o saberemos ao certo quando o contrato-programa
para ‘Tóquio 2020’ for assinado, daqui por uns dias.”
Enquanto tal não acontece, alerto para a causa que foi criada – através da hashtag dedicada #PortugalComOsParalimpicos – que
sublinha a motivação e convicção na igualdade de oportunidades para ambos os atletas,
através da qual se convidam os Portugueses a juntarem-se-lhe, de modo a acabar de vez com esta discriminação.
Curiosamente, olhando para os resultados de uns e outros a coisa até se apresenta numa estrutura completamente
inversa, dado que nos últimos Jogos Paralímpicos do Rio, em 2016 os paralímpicos
– vistos por muitos como atletas alegadamente diminuídos – subiram ao pódio por 4 vezes, quando os olímpicos
conseguiram uma única medalha. Uma estatística que, somada à das restantes olimpíadas
do presente milénio, se mostra ainda mais significativa: os atletas
paralímpicos conquistaram 36 medalhas no conjunto dos últimos cinco Jogos, face às apenas 8 dos olímpicos,
sendo que também o ouro está mais presente no pescoço dos aqui inconformados
atletas, numa escala de 9 contra 1. Elucidativo!
Mas nada disto vai influenciar o foco principal do nosso atleta
plurimedalhado nos objetivos que o atleta, paraciclista do Sporting/Tavira Paracycling, traçou para os próximos anos e que define como
“Simples! Quero conquistar um lugar nos Jogos Paralímpicos Tóquio 2020,
alcançando pelo caminho os melhores resultados possíveis, que dignifiquem o meu
clube e o país que represento, ao mesmo tempo que retribuo o apoio de todos os
que têm estado ao meu lado”.
Objectivos e prestações que Luis Costa e muitos outros, no domínio das rodas ou fora delas, pretendem atingir de modo a contribuir para o
orgulhoso hastear da bandeira lusa ou para a contínua projecção do nome
Portugal mais além. Veremos se, no novo ano e nos vindouros quem de direito lhes dará o devido crédito. São estes os votos do Trendy Wheels para o novo ano!
Feliz 2018 para tod@s... e uma nova tattoo para Luis Costa em 2020!
Imagens: Luis Costa - Paraciclista |
Cumprimentos distribuídos irmãmente e até breve!
José Pinheiro
Notas:
1) As opiniões acima expressas são minhas,
decorrentes da experiência no sector e de pesquisa de várias fontes;
2) Direitos reservados das entidades
respectivas aos ‘links’ e/ou imagens utilizados neste texto, conforme expresso.
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